Aspectos linguístico-culturais na relação com o outro: construção da identidade de sujeitos em situação de rua


Abstract


Parte de uma pesquisa, apoiada pelo CNPq, sobre a construção da identidade de sujeitos em situação de exclusão (moradores de rua) no Estado de São Paulo, esta comunicação pretende apresentar resultados parciais da análise discursiva das narrativas orais (histórias de vida) de vinte sujeitos, no que diz respeito aos modos de endereçamento e de referência. Como toda narrativa, a história de vida é, ao mesmo tempo, história e ficção (COSTA, 1988): contada a posteriori, é sempre interpretação e esta é sempre violência (FOUCAULT, 1965), no sentido de que o tempo e o espaço transformam o texto interpretado, além do testemunho factual. Feita a coleta das narrativas, gravadas em áudio, tanto na rua quanto em um abrigo diurno, procedeu-se à transcrição e à análise, com base na orientação discursivo-desconstrutivista, centrada no pensamento de Bakhtin e Foucault (discurso, relações de poder e agenciamentos), de Derrida (problematização do pensamento dicotômico racionalizante) e de Freud e Lacan (sujeito – descentrado, inconsciente – e identidade). Resultam da análise marcas linguísticodiscursivas, rastros de si e do outro na materialidade do dizer, encontrando-se, com frequência, formas indeterminadas de referência a si e ao outro: terceira pessoa para falar do outro (e de si), quando envolve drogas, álcool ou violência nas ruas ou, ainda, quando se refere a passantes que, de certa forma, detêm o poder na sociedade, sem, no entanto, nomeá-los; primeira pessoa (eu), para emitir opinião pessoal sobre o governo ou sobre o que a sociedade poderia fazer por eles, repetindo o que ouvem como verdades, eximindo-se, porém, de responsabilidade. Com relação às formas de endereçamento, observa-se, dentre outros, o uso frequente de "a senhora", cujo efeito de sentido é de distanciamento: neste caso, marcado por relações de poder. Nos demais, o efeito de distanciamento ocorre entre o enunciador e o outro (ausente) – moradores de rua ou passantes, que, em geral o desprezam, mas cuja presença – ainda que imaginária – constroi neles e deles representações, que constituem sua identidade – sempre vinda do outro (DERRIDA, 1996), imaginária e ilusória, que deixa traços indeléveis na subjetividade de cada um.

DOI Code: 10.1285/i9788883051272p1947

Keywords: discurso; exclusão; sujeito; identidade; interpretação

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